Como uma Lupa mudou a Saúde dos Brasileiros
e como fazer design vai muito além da estética
Como o design de uma LUPA mudou a saúde de muitos brasileiros?
Em 2020, após anos de embates técnicos, políticos e sociais, a Anvisa aprovou o uso da lupa frontal como símbolo de advertência nutricional nas embalagens de diversos alimentos industrializados.
E isso teve um impacto gigantesco: 46% das pessoas desistiram de comprar alimentos ultraprocessados (Consultoria Bain) e muitas empresas revisaram suas fórmulas para evitar o selo.
Mais do que uma escolha gráfica, a lupa é um caso exemplar de como o design pode ser eficaz em moldar comportamentos, educar consumidores e, ao mesmo tempo, refletir visões e tensões da sociedade.
Vamos ver como chegamos na lupinha e por que ela ainda não é ideal.
O problema: como era antes
Até então, a principal fonte de informação nutricional no Brasil era a tabela no verso da embalagem — cheia de dados técnicos, complicada, e praticamente invisível para a maioria da população.
Era necessário ter uma visão em dia e até saber que dextrose, frutose, melaço, xarope de milho eram todas palavrinhas que significavam… açúcar.
Isso criava problemas: a informação era inacessível para pessoas com baixa escolaridade, não era fácil de ser lida nem encontrada e produtos não saudáveis podiam parecer saudáveis com estratégias de marketing.
E num país com 57,25% da população com sobre-peso (2021) e 57 mil mortes prematuras conectadas ao consumo de alimentos ultraprocessados, repensar os rótulos era algo urgente.
Como a lupa foi escolhida?
Entre 2018 e 2020, a Anvisa realizou uma ampla consulta pública e encomendou uma pesquisa à Universidade de Brasília (UnB), com mais de 2.400 consumidores, distribuídos em seis grupos: controle (sem rotulagem) e cinco grupos expostos a diferentes modelos – incluindo o semáforo nutricional, além de octógono, triângulo, círculo vermelho e lupa.
Os modelos foram testados considerando clareza, tempo de leitura, aceitação estética e influência na decisão de compra.
Embora o octógono tenha obtido melhor desempenho geral — e indicado pela OMS , ele foi descartado por pressão da indústria alimentícia, que o considerava “alarmista”.
A lupa, por sua vez, teve bom desempenho, especialmente entre consumidores com menor escolaridade, e foi percebida como informativa sem ser “punitiva” — se aproximar de um triângulo poderia passar a ideia de algo proibido ou inseguro, segundo as indústrias alimentícias. Assim, se tornou a solução viável dentro do campo técnico e político.
Design é escolha. E escolha é política.
Sim, a lupa trouxe avanço — informações mais claras, maiores chances de escolhas conscientes, mas não podemos ignorar que, cientificamente, existiam símbolos mais eficazes (novos estudos da USP comprovam a eficácia do triângulo) que poderiam trazer ainda mais autonomia e um futuro mais saudável para os brasileiros.
Mas a principal reflexão é que design não é só estética — é um ato político.
A lupa representa um processo delicado de negociação pelo futuro da nossa alimentação. Envolveu e ainda envolve gigantes da indústria alimentícia, institutos de defesa do consumidor e diversas entidades que formam uma aliança para a Alimentação Saudável.
Pense nisso toda vez que vir aquela lupa na embalagem. Tudo que foi projetado, tudo, vai refletir o olhar e o conjunto de valores dominantes de quem o projetou.
E uma alimentação ruim vira conta no SUS para todos os brasileiros.
Informação importante. Obrigada, Lucas!